Guerra, juros e inflação: os efeitos no mercado residencial nacional

Procura de casas à venda abrandou no final de 2022. Já o arrendamento esteve dinâmico, revela o relatório do idealista/data.
13 fev 2023 min de leitura

O ano de 2022 lançou vários desafios à economia portuguesa. Num momento em que os negócios ainda se recuperavam do choque pandémico, chegou a guerra na Ucrânia que estremeceu novamente o cenário económico. A inflação começou a escalar, assim como os juros no crédito habitação, enquanto o poder de compra foi em sentido contrário, caindo cada vez mais. Mas como é que este novo contexto impactou o mercado residencial em Portugal? O setor deu provas de resiliência. Mas no final de 2022 já se sentiu um abrandamento da procura de casas para comprar, bem como do montante total concedido em crédito habitação. Já o mercado de arrendamento esteve particularmente dinâmico ao longo do ano passado, embora haja falta de oferta de casas para arrendar em todo o país. Explicamos o que mudou no imobiliário português passando a pente fino o relatório anual do idealista/data de 2022.

  1. Alta inflação e subida de juros: como impactou o mercado de compra e venda?
    1. Venda de casas e crédito habitação: contratos começaram a abrandar no final de 2022
  2. Mercado de arrendamento em alta ao longo de 2022
  3. Como está a oferta de casas no mercado português?
    1. Casas novas em Portugal são 32% mais caras que as casas usadas

Alta inflação e subida de juros: como impactou o mercado de compra e venda?

Em 2022, as famílias sentiram o contexto económico e financeiro a mudar – e muito – e rendimento disponível a diminuir. A guerra da Ucrânia, que eclodiu a 24 de fevereiro (prestes a cumprir 1 ano), gerou uma crise energética internacional e fez disparar a inflação em vários países do mundo. E Portugal não foi exceção. No nosso país, a inflação escalou ao longo do ano e só começou a descer a partir de novembro, fixando-se nos 7,8% em 2022, o valor mais elevado desde 1992, apontou o Instituto Nacional de Estatística (INE).

E para tentar inverter este ciclo inflacionista que assolou o nosso país, bem como todos os outros Estados que pertencem à Zona Euro, o Banco Central Europeu (BCE) começou a subir as taxas de juro diretoras a grande velocidade (em 250 pontos base entre julho e dezembro), uma decisão que agravou o custo de financiamento em geral e os juros no crédito habitação em particular.

Este cenário não se refletiu logo no mercado de compra e venda em Portugal. O Relatório Anual do Mercado Residencial de Portugal relativo a 2022, preparado pelo idealista/data, mostra que a procura de casas para comprar manteve-se estável durante maior parte do ano. E só no último trimestre é que o interesse em comprar casa começou a abrandar. No entanto, a procura internacional de casas para comprar no nosso país continua a estar imune a este efeito da crise, uma vez que foi subindo ao longo de 2022, terminando o ano a representar 25% do total, chegando mesmo a níveis de 2019.
 

Já a oferta de casas para comprar registou uma descida acentuada durante o ano 2022 e é mesmo, segundo têm vindo a apontar as autoridades e os especialistas, o grande problema de base atualmente da habitação em Portugal. No primeiro trimestre de 2022, o stock de casas para vender representava 4,03% do parque habitacional, um valor que caiu para 3,67% no quarto trimestre do ano, aponta o relatório. Este valor é 1,14 pontos percentuais inferior ao registado na reta final de 2019 (antes da pandemia e da guerra na Ucrânia), quando a oferta de casas à venda pesava 4,81% do total.

A verdade é a procura de casas para comprar – embora esteja a abrandar - continua a ser muito superior às casas disponíveis no mercado. E é precisamente este desequilíbrio um dos principais fatores que está por detrás da subida dos preços das casas em Portugal, que cresceram de forma constante desde que o idealista iniciou a sua presença no mercado português.

As casas à venda no país ficaram mais caras, de tal forma que “o preço unitário da habitação em Portugal está atualmente no seu máximo histórico, de cerca de 2.500 euros por metro quadrado (euros/m2)”, aponta o relatório que será apresentado num webinar esta terça-feira, dia 14 de fevereiro, pelos especialistas do idealista/data. É em Lisboa, Faro, Porto e Setúbal onde os preços das casas são mais elevados. Já as casas para comprar mais económicas estão localizadas, sobretudo, no interior do país.
 

Venda de casas e crédito habitação: contratos começaram a abrandar no final de 2022

Os efeitos da subida dos juros no crédito habitação e da alta inflação começou a sentir-se no mercado residencial reta final do ano, ainda que ligeiramente. Já que o número de transações começou a dar sinais de descida. E o montante concedido em empréstimos habitação começou a abrandar. Já as taxas de esforço para comprar casa estão a subir.

“As transações de casas continuam a um ritmo estável, excedendo 40.000 negócios por trimestre desde o segundo trimestre de 2021, acumulando em 2022 cerca de 130.000 operações (18% das novas construções)”, explica o documento. Mas olhando em detalhe verifica-se que no verão de 2022 houve uma descida do número de transações, tendo sido fechadas menos 1.384 vendas de casas do que no trimestre anterior. E menos 3.662 negócios do que no início do ano. Ainda assim, continua a ser um número superior face a 2019.

O que os dados também revelam é que o valor médio pelo qual as casas são vendidas tem vindo a subir trimestre após trimestre, tendo-se fixado nos 190.690 euros no terceiro trimestre de 2022, de acordo com os dados do INE
 

Com os preços das casas em alta, são também cada vez mais as famílias que compram casa com recurso ao financiamento bancário. E embora o montante de empréstimos para aquisição de habitação tenha continuado a crescer em Portugal ao longo de 2022, a verdade é que o ritmo de crescimento abrandou no final de 2022 à medida que os juros do BCE foram aumentando, mostra o relatório. Isto porque, com as taxas de juro em alta (quer variáveis, quer fixas), as famílias estão a pagar prestações da casa bem mais elevadas do que antes da guerra da Ucrânia (final de 2021), altura em que os juros e as taxas Euribor ainda estavam em terrenos negativos.

Em resultado, as taxas de esforço no crédito habitação estão a aumentar em Portugal, depois de passarem os últimos anos estabilizadas em valores inferiores a 30%. “Os rendimentos líquidos das famílias estão estagnados e observa-se um crescimento dos preços da habitação em Portugal, levando a aumentos nas taxas de esforço. Mesmo assim, a variável que mais influencia o crescimento das taxas de esforço de vendas são as taxas de juro, que continuam a subir mês a mês”, explicam os especialistas no documento. Em concreto, as taxas de esforço para comprar casa em Portugal passaram de 28,1% em março de 2022 para 57,8% em dezembro do mesmo ano. Ou seja, mais do que duplicaram em menos de um ano.
 

Mercado de arrendamento em alta ao longo de 2022

Já no mercado de arrendamento, o cenário em outro. “A procura de arrendamento está a registar uma tendência de crescimento muito mais rápida do que a procura de venda, com uma certa estabilização nos valores mais elevados da série”, destacam os especialista do idealista/data no mesmo documento.

O aumento da procura de casas para arrendar escalou, sobretudo, ao longo de 2022, coincidindo com o período em que os juros no crédito habitação deram o salto e o poder de compra diminuiu com a alta inflação. Estes fatores, note-se, tornam a compra de casa menos acessível aos bolsos das famílias, até porque os preços das habitações à venda continuaram a subir.

De acordo com os dados do idealista/data, a procura relativa no mercado de arrendamento atingiu o máximo desde 2019 no terceiro trimestre do ano passado, representando cerca de 52 leads por anúncio. E no final do ano estabilizou nos 51 leads por anúncio. Estes valores são bem superiores ao registados um ano antes (que rondava os 13 e 15 leads por anúncio) e aos observados antes da pandemia (em 2019).

Também a procura estrangeira de casas para arrendar no nosso país tem vindo a aumentar ao longo dos anos, tendo esta evolução sido mais expressiva em 2022. Isto porque a procura internacional no mercado de arrendamento pesou quase 30% do total no último trimestre do ano, um valor bem superior aos cerca de 25% apurados no final de 2021 e aos 20% observados no final de 2020 (antes da guerra).

Além de Portugal ser um país atrativo para viver dada a sua qualidade de vida, clima ameno, gastronomia, custo de vida e paisagens, também tem sido um refúgio de paz e segurança para muitos estrangeiros que vivem nos seus países de origem um clima de instabilidade política, económica e social, como é o caso dos EUA, Reino Unido, Brasil, Rússia e Ucrânia (onde hoje se vive um conflito armado), bem como os seus países fronteiriços.  
 

Mas será que o mercado residencial português está preparado para arrendar casas a todas estas famílias? Na verdade, não. Há uma escassez geral de oferta de casas para arrendar em todo o território português, muito embora a rentabilidade para os proprietários tenha estabilizado em cerca de 6% ao longo de 2022. E, como se não bastasse, o stock de casas neste mercado tem vindo a cair ao longo de 2022, fixando-se em apenas 0,27% do parque habitacional último trimestre do ano – muito está a ser absorvido pela procura.

Prova disso mesmo são os contratos realizados: “O mercado de arrendamento acumulou mais de 20.000 novos contratos durante seis trimestres consecutivos, adquirindo uma importância relativa em comparação com o mercado de venda”, destaca o relatório tendo por base os dados do INE. Este cenário originou um aumento a grande velocidade dos preços das casas para arrendar ao longo de 2022, tendo atingido no final do ano um valor médio recorde de cerca de 13 euros/m2.
 

Como está a oferta de casas no mercado português?

“O parque habitacional para venda era de 3,67% em dezembro de 2022, enquanto o parque de arrendamento era de 0,27% face ao total do parque habitacional existente em Portugal”, apontam no relatório. A oferta de casas no mercado está mesmo num dos níveis mais baixos desde, pelo menos, 2019. E não está “uniformemente distribuída” pelo território nacional, havendo maior concentração nos distritos costeiros do que no interior.

Como se não chegasse, o parque habitacional português está envelhecido. Os alojamentos familiares construídos na década de 1980 ou antes representam mais de 40% do total. Esta percentagem sobe para 80% se considerarmos as habitações com 23 ou mais anos. As casas mais recentes, construídas entre 2011 e 2021, representam apenas 3% do total.

Como a construção sustentável e eficiente esteve durante muitos anos fora as prioridades dos investidores e promotores imobiliários, a maioria das casas em Portugal têm baixa eficiência energética. Cerca de 60% dos novos certificados energéticos emitidos durante 2022 em todo o país são C ou pior. A verdade é que a construção sustentável está, hoje, na ordem do dia e há cada vez mais pressões internas e externas para que os proprietários tornem as suas casas mais eficientes. E, por isso mesmo, verifica-se que o número de certificados energéticos cresceu em Portugal ao longo de 2022, tendo sido emitidos mais de 35% face a 2021.
 

Casas novas em Portugal são 32% mais caras que as casas usadas

Mesmo num contexto de alta inflação (que agravou os custos dos materiais de construção) e a falta de mão de obra especializada, o stock de construção nova no idealista aumentou 21% entre 2021 e 2022, tendo-se fixado em quase 20.000 unidades no último trimestre de 2022. Já o número de fogos licenciados durante o ano passado (25.334 casas) caiu 11% em 2022 face ao ano anterior.

A questão é que o stock de habitação no mercado residencial português não chega para ir ao encontro da elevada procura de casas no país, até porque a maioria da procura concentra-se em casas usadas, visto que as casas novas são 32% mais caras.

Além disso, “se compararmos este mercado com o mercado de segunda mão, verificamos que o mercado de novas construções é mais sensível aos movimentos do mercado: tanto o crescimento dos preços, como a queda da procura ocorrem a um ritmo mais rápido”, sublinham os especialistas.

E é isso mesmo que mostram os dados do idealista/data: “O mercado da construção nova, impulsionado pela atividade no Porto e em Lisboa (juntos representam mais de 65% dos novos projetos), está a registar um crescimento dos preços que se aproximam dos 3.400 por metro quadrado (em média)”, destacam ainda. Já o preço das casas usadas é bem mais baixo e está a subir a um ritmo quase constante: no final de 2022, o valor médio fixou-se em 2.563 euros/m2.
 


Fonte :Idealista
Foto de: Freepik

 

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